terça-feira, 25 de junho de 2019

ASPERGES


rake e Jimmy mantinham contato por e-mail. Jimmy se queixava da
Martha Graham de um jeito que esperava ser divertido, usando
adjetivos incomuns e depreciativos para descrever professores e colegas. Ele
descrevia a dieta de botulismo e salmonela reciclados, enviava listas das
diferentes criaturas de múltiplas patas que havia encontrado no quarto,
reclamava da qualidade inferior das substâncias alucinógenas à venda na
lúgubre loja dos alunos. Como medida de autoproteção, ocultava os
meandros da sua vida sexual, exceto por algumas leves insinuações. (Essas
garotas podem não ser capazes de contar até dez, mas e daí, quem precisa de
números no saco? Desde que elas pensem que é dez, ha-ha, brincadeira.)
Ele não podia deixar de se mostrar um pouco, porque este parecia ser – a
partir de todas as indicações que tivera até então – o único campo de
realizações em que ele levava vantagem sobre Crake. Na HelthWyzer, Crake
não tinha sido o que se costuma chamar de sexualmente ativo. As garotas o
achavam intimidante. É verdade que ele havia atraído umas poucas obsessivas
que achavam que ele podia caminhar sobre as águas, e que o seguiam por
toda parte e enviavam e-mails ardentes para ele e ameaçavam cortar os pulsos
por causa dele. Talvez ele tenha até dormido com elas de vez em quando; mas
jamais havia perdido a cabeça. Apaixonar-se, embora resultasse de uma
alteração da química do corpo e fosse, portanto, uma coisa real, era um estado
ilusório hormonalmente induzido, segundo ele. Além disso, era humilhante,
porque deixava você em desvantagem, dava poder demais ao objeto do amor.
Quanto ao sexo propriamente dito, ele não apresentava nem um desafio nem
uma novidade, e de forma geral era uma solução profundamente imperfeita
para o problema da transferência genética intergeracional.

As garotas que Jimmy acumulou tinham achado Crake muito esquisito, e

isso tinha feito Jimmy sair em defesa dele, por sentir-se superior. “Ele é legal,
só que vive em outro planeta”, era o que ele costumava dizer.
Mas como saber a respeito das circunstâncias atuais de Crake? Crake dava
poucas notícias de si mesmo. Ele tinha um companheiro de quarto, uma
namorada? Ele nunca mencionava nenhum dos dois, mas isso não queria
dizer nada. Suas descrições eram acerca das instalações do campus, que eram
fantásticas – uma caverna de Aladim de instrumentos de pesquisa biológica –
e, bem, de que mais? O que Crake dizia mesmo nas suas breves mensagens
iniciais do Instituto Watson-Crick? O Homem das Neves não consegue
lembrar.
Entretanto, eles jogavam arrastadas partidas de xadrez, dois lances por dia.
Jimmy a essa altura já jogava melhor; era mais fácil sem a presença
perturbadora de Crake, com aquele jeito de tamborilar os dedos e cantarolar
para si mesmo, como se já estivesse enxergando trinta jogadas à frente e
estivesse esperando pacientemente que a mente de tartaruga de Jimmy se
arrastasse para o sacrifício da próxima torre. Além disso, Jimmy podia
consultar grandes mestres e partidas famosas do passado em diversos
programas da internet, entre uma jogada e outra. Não que Crake não estivesse
fazendo o mesmo.

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